Tecnologia Científica

“Genoma” dos elementos químicos agiliza criação de materiais e produtos inovadores
Busca por novos produtos e tecnologias fica mais fa¡cil com simulaa§aµes da interaça£o entre elementos feitas em computador. Canãlulas solares, materiais de construa§a£o e eletra´nicos estãoentre aplicações possa­veis
Por Júlio Bernardes - 03/02/2020


A partir de um conjunto de milhões de informações sobre todos os elementos
qua­micos, chamado de “genoma dos materiais”, pesquisadores paulistas
utilizam supercomputadores para simular propriedades de materiais, como
dureza e condutividade elanãtrica, e identificar os mais promissores para uso em
variadas aplicações, entre elas desenvolvimento de células solares, materiais
de construção, biossensores e dispositivos eletra´nicos os
Montagem de Beatriz Abdalla/Jornal da USP sobre
foto de Marcos Santos/USP Imagens

Criar novos materiais e produtos éuma tarefa que exige muito tempo, porque énecessa¡rio fazer vários testes em laboratório, experimentando vários componentes atéchegar ao resultado desejado. Para tornar mais rápido esse processo, um grupo de pesquisadores paulistas utiliza supercomputadores abastecidos com milhões de dados sobre os elementos químicos (o chamado “genoma dos materiais”) para simular propriedades de materiais como dureza e condutividade elanãtrica e identificar os mais promissores para uso em diversas aplicações, por exemplo, na computação e na geração de energia. Desse modo, serápossí­vel reduzir a necessidade de experimentos em laboratório e, no futuro, diminuir bastante o tempo de criação de novos produtos, tais como células solares, materiais de construção, biossensores, medicamentos, pra³teses e dispositivos eletra´nicos.

As simulações feitas nas pesquisas do projeto são desenvolvidas nos computadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), instituição federal de pesquisa sediada em Campinas (interior de Sa£o Paulo). Entre outras linhas de estudo, estãoem desenvolvimento a identificação de materiais que obtenham hidrogaªnio a partir da água(water splitting) para células solares, e que tenham potencial para viabilizar a criação de computadores com maior capacidade de processamento (spintra´nica), mudando os transa­stores utilizados nos dispositivos eletra´nicos. “O design de materiais éuma tendaªncia mundial muito recente”, explica Adalberto Fazzio, diretor do Laborata³rio Nacional de Nanotecnologia (LNNano) do CNPEM e professor aposentado do Instituto de Fa­sica (IF) da USP. “As fa³rmulas matemáticas necessa¡rias para trabalhar já estãobem estabelecidas dentro da teoria das probabilidades e da estata­stica, assim como as técnicas de mineração de dados e big data (grandes conjuntos de dados processados e armazenados em computadores), temos inaºmeras previsaµes de materiais, mas as realizações ainda são poucas”.

Fazzio coordena o projeto de pesquisa Interfaces em Materiais: Propriedades Eletra´nicas, Magnanãticas, Estruturais e de Transporte, com nove linhas de estudo. “Em muitos dos fena´menos interessantes que acontecem em materiais o protagonista éasuperfÍcie”, aponta. “Por isso as interfaces são importantes para entender as suas propriedades, como, por exemplo, quando se estuda as interações entre águae gelo, entre materiais biola³gicos (nanotoxicologia) e de materiais bidimensionais (2D) com o corpo humano.”

O professor Gustavo Dalpian, da Universidade Federal do ABC (UFABC), que participa do grupo de pesquisadores, afirma que o objetivo do projeto éestudar as propriedades das interfaces entre diferentes materiais, o que éimportante para desenvolver uma sanãrie de processos e aplicações. “Para montar um dispositivo que gera hidrogaªnio a partir da a¡gua, épreciso entender a interação entre a águae materiais semicondutores (que tem condutividade elanãtrica intermedia¡ria entre os isolantes e os condutores), porque eles reagem em contato com a luz do sol, o que permite a obtenção de hidrogaªnio”, conta, “Para melhorar a durabilidade do gesso usado na construção civil, estuda-se o comportamento da águanasuperfÍcie do gesso, e assim por diante.”

Design inverso

O fa­sico Gabriel Ravanhani Schleder, da UFABC, que integra um dos grupos de pesquisa do projeto, aponta que para criar novas aplicações, énecessa¡rio em primeiro lugar fazer um processo de seleção de materiais. “De um arsenal de materiais dispona­veis, qual éo melhor? Como selecionar os mais apropriados?”, aponta. “Para isso énecessa¡rio simular materiais, normalmente por meio de experimentos em laboratório, catalogar suas propriedades e seleciona¡-los para diferentes aplicações, tais como biossensores que detectem metais pesados na a¡gua. Com base na análise dos materiais, éproposto aos responsa¡veis pela parte experimental quais são os mais interessantes para criar novos produtos.”

A busca por novos materiais teve um grande impulso com a Iniciativa de Genoma dos Materiais (Materials Genome Initiative), projeto criado pelo governo dos Estados Unidos em 2011, combinando teoria, experimentos e computadores de alto desempenho para fornecer um grande conjunto de dados sobre os elementos qua­micos. “a‰ uma forma diferente de trabalhar com materiais. Antes, para encontrar os componentes mais adequados a lentes de alto a­ndice de refração, usadas em a³culos e ca¢meras, por exemplo, era preciso testa¡-los em laboratório a fim de identificar suas propriedades”, relata Dalpian. “Agora se trabalha no sentido contra¡rio: por meio do computador são feitas simulações com milhares de elementos químicos e entre eles éprocurado aquele material especa­fico que tenha as propriedades desejadas, conceito que échamado de design inverso”.

Schleder destaca que os computadores conseguem simular uma grande quantidade de sistemas a partir dos dados brutos, por meio de ferramentas como o aprendizado de ma¡quina (fa³rmulas matemáticas usadas para que os computadores encontrem as informações mais necessa¡rias ao usua¡rio). “A partir de um grande conjunto de dados sobre todos os elementos químicos pode-se realizar simulações de materiais e verificar as relações entre a estrutura e as propriedades, prevendo modificações que va£o melhorar suas caracterí­sticas”, afirma. “Com essas simulações, háuma aproximação entre a física tea³rica e a experimental na medida em que se prevaª que um material seráesta¡vel e podera¡ ser criado, pois não adianta ter excelentes propriedades se não existir.”

O professor Dalpian relata que a sa­ntese de um novo material em laboratório pode levar semanas, pois muitas vezes éfeita na base da tentativa e erro. “Com a computação, épossí­vel substituir um dos componentes e saber em alguns minutos se ele éexecuta¡vel”, enfatiza. O fa­sico Schleder acrescenta que o ponto central da gena´mica de materiais éreduzir o tempo entre a pesquisa ba¡sica e a chegada ao mercado de um novo produto ou material. “Com estratanãgias focadas na análise de dados, seria possí­vel reduzir esse tempo de 10 a 100 vezes em relação a processos tradicionais”, estima.

O projeto de pesquisa do CNPEM, instituição dirigida pelo professor do IF, Anta´nio JoséRoque da Silva, conta com apoio da Fundação de Amparo a  Pesquisa do Estado de Sa£o Paulo (Fapesp). Os estudos contam com a participação de professores e pesquisadores da USP, UFABC, Universidade Estadual Paulista (Unesp), Universidade Federal Fluminense (UFF) e Universidade Federal de Goia¡s (UFG).

 

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